Um mercado é o oposto simetricamente perfeito de um shopping center. O que em um é ordem, perfume e ar condicionado em outro é caos, odores e calor, muito calor. E é isso, exatamente isso, o que me fascina em um mercado. Em qualquer mercado, em todos os mercados. Eles me lembram o quão primitiva eu sou, o quão primitivos somos nós, a Humanidade.
Há sempre bancas de frutas e verduras num mercado, mas eu sou irremediavelmente atraída pelo repugnante cheiro de peixe e carne crua. É um misto de repulsa e atração típico das mais violentas paixões. Simplesmente não resisto, mesmo com náuseas.
No Mercado São José, no centro de Recife, não foi diferente.
Me avisaram que era “barra pesada”, nada apropriado para uma turista. Sujo, bagunçado, trash. Com gente de todo tipo e qualidade, nada confortável, nada seguro. Opa! Agora é que eu quero ver!
Lá chegando, o segundo aviso foi dos sentidos: o faro. Eu poderia ter me limitado à zona de quinquilharias para turistas, souvenirs, chapéus de palha, roupinhas de algodão colorido… mas não! Ignorei o rotundo não que meu nariz dizia, apontando para o galpão, e segui direto para o setor de peixes.
Como se não bastasse, empreendi um tur pelos corredores estreitos onde biroscas mais que sujas servem PFs de qualidade duvidosa com gordura boiando sobre qualquer ingrediente. Passando espremida entre os balcões e as mesinhas encardidas com toalhas floridas encostadas à parede.
Parecia uma ET com a Nikon pendurada no pescoço, mas resisti. Resisti bravamente, inclusive à tentação de pedir um caldinho de mocotó e uma cerveja gelada.
Não sei se esse tipo de atração pelo sórdido tem explicação. Talvez Freud, Jung, talvez o mapa astral. O fato é que eu queria estar ali. E mais: desejei mesmo que numa daquelas esquinas encardidas houvesse uma máquina de música para eu colocar a minha ficha e apertar o botão de uma canção sertaneja.
Mas não havia máquina, e o som que invadia o mercado era o de um corcel estacionado na entrada principal cujo alto-falante anunciava “uma mãe de família que perdeu tudo num terrível acidente e precisa da sua ajuda, alma abençoada, venha ver com seus próprios olhos, ela está bem aqui sentada com suas feridas no banco do carro”.
Do lado de fora, envolvendo o corcel e a mãe de família estropiada numa atmosfera de conto de fadas ao avesso, as bancas de frutas e verduras ardiam ao sol e disparavam cores para todos os lados.
Vaguei anestesiada armada com a Nikon por aquele indefinível universo cromático, povoado de gentes, cheiros, histórias, até que um respeitável senhor me trouxe de volta à realidade:
– Guarde essa câmera, dona. A senhora não sabe quanta gente ruim tem neste mundo!
Eu sei, quis dizer a ele, mas fingi que não ouvia, pelo menos por dez minutos, até notar um rapaz mal encaradíssimo vindo em minha direção. Meti a câmera na bolsa, parei o primeiro táxi e disse:
– Toca pra Boa Viagem!
Freud ou Jung devem explicar isso também. Medo.
E foi assim que voltei para o conforto, o perfume e o ar-condicionado de Boa Viagem, com a câmera e as retinas cheias de imagens e o cheiro dos pescados e da carne crua impregnado em minhas narinas.
– Pelo menos se a senhora estivesse acompanhada… – comentou o taxista quando descrevi a cena. Acompanhada de um macho, foi o que ele quis dizer, mas achou que nem precisava.
Por dois segundos me passou pela cabeça um discurso feminista, que nem combina comigo, mas que caberia perfeitamente na cena. Desisti. Sentir o cheiro da carne crua e do peixe fresco é uma aventura e, como toda aventura, tem um preço. Paciência. Eu pago.
Aiiiiiiiii, que delícia essas frutas!!!!!!!!! Nham, nham!!!!!!!!
Saudade, heim, guapa? Quando você vier, faço uma mousse de pitanga, vale?
Minha flor, diga a Doñana, que essa visita me remeteu à minha avó. Mi abuela Ema Murillo Gutierrez. Ela era callejera e adorava um mercado. Não à toa, morreu com duas sacolas nas mãos e num mercado. Agora me diga se já conheceu os mercados de La Paz? O cheiro de chunho no ar? Aqui em São Paulo, há a plaza Cantuta. Não há comparação, é óbvio, mas é um pedacinho minúsculo de um mercado aberto.
Besitos para as duas.
Donana avisa que precisará de umas aulas particulares com Regina Paz para atualizar seu repertório latinoamericano…
E manda beijos.
Ana, viajei com você… essas fotos estão lindíssimas!
🙂 🙂 🙂
saudade, irmãzinha.
Nada mais vivo que o povo, nada mais representativo da vida cultural de um lugar que o mercado público. Você é corajosa, mas sem coragem que graça teria a vida?
Beijos prima, da próxima vez que vier à João Pessoa iremos ao mercado municipal daqui re à feira de Jaguaribe, dois lugares fantásticos.
gosto tanto dos mercados.
exoticos, ou conhecidos
https://picasaweb.google.com/lh/photo/PokpW3YJRtKHcPUSgcxTgxnVJqNFmJKF6WWdL5cJsd0?feat=directlink
Edu, me desculpe, seu comentário estava retido como spam!
A-DO-REI o encontro com você e Gisele, vocês são ainda melhores ao vivo! Logo vou a Buenos Aires visitá-los, e fazer uma comidinha pra vocês, já que desta vez não deu tempo.
Um beijo,
Ana.
ana, também sempre tive atração por esses mercados populares e você definiu bem o misto de atração e repulsa que exercem, os odores misturados. adoro. até mesmo os para turista, como o mercado modelo de salvador, onde estive pela primeira vez, recentemente. enfim. e as fotos ficaram ótimas, além do mais, as frutas tão vermelhas, as barrigas dos siris, os corpos dos peixes. parabéns.
Menino, você precisa conhecer o Mercado de la Boquería, em Barcelona. Vai pirar!!!
Quando for, me avisa. Quero ser sua guia turística 😉
beijo.